segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Água que educa e alimenta

Formações do projeto Cisternas nas Escolas debatem segurança alimentar nas escolas do Semiárido

Por Sara Brito - comunicadora popular do Centro Sabiá

Organizações da ASA/PE construíram
II módulo do ECSA / Foto: Sara Brito
Segundo o relatório Direito de Aprender, resultado da pesquisa realizada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em 2009, das 37,6 mil escolas da zona rural da região semiárida, 28,3 mil não são abastecidas pela rede pública de abastecimento de água. O projeto Cisternas nas Escolas, desenvolvido pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), beneficiará com cisternas de 52 mil litros, em dois anos, 5.000 escolas rurais do Semiárido brasileiro.

Mas o modelo de execução da ASA, tanto no Cisternas nas Escolas quanto em outros projetos, não está focado apenas na construção das tecnologias sociais. O processo se pretende construtivo e possibilita também um processo de formação e mobilização da comunidade escolar sobre o manejo da água e sobre temas relacionados à convivência com o Semiárido. “É a construção de uma cisterna que vai desaguar em várias questões. É uma opção política também. Se você não mobilizar vários atores, não tem um processo completo. É um desafio tremendo pensar além da cisterna, a educação contextualizada, a segurança alimentar”, diz Cristiana Cavalcanti, assessora técnica do projeto Cisternas nas Escolas da ASA em Pernambuco. Para ela, o acesso à água na escola é apenas uma das questões que precisam ser encaradas. “A questão infraestrutural é muito preocupante, mas ela é só uma questão. A pedagogia, a didática é outra grande questão que não está tão a olhos nus; sobre que tipo de educação está sendo trazida para essas crianças”, explica ela.

Durante os últimos dias 30 e 31 de julho, as organizações que executam o projeto Cisternas nas Escolas no estado de Pernambuco se reuniram, no município de Triunfo, Sertão pernambucano, para a construção do II módulo da formação sobre Educação Contextualizada no Semiárido (ECSA), que tem como público os educadores e educadoras das escolas atendidas pelo projeto. Cada município receberá três encontros de formação, um de cada módulo. O primeiro módulo trouxe a percepção da realidade de cada município em relação a educação no campo, reconhecendo seus limites.

Já no segundo módulo a ideia é aprofundar as discussões de problemáticas como acesso à políticas públicas, saúde da família, produção e comercialização de alimentos e a segurança alimentar através de intercâmbios, levando os educadores e educadoras até a propriedade de uma família de cada município.

As merendeiras e o alimento

Merendeiras/os e auxiliares de serviços gerais
participaram da formação em GRHE
Além do ECSA, outra oportunidade para discussão da segurança alimentar no Cisternas nas Escolas é durante a formação de Gerenciamento dos Recursos Hídricos Escolar, o GRHE, que tem como público alvo merendeiras e auxiliares de serviços gerais das escolas contempladas.

Durante os dois dias de GRHE em cada município participam merendeiras/os, auxiliares de serviços gerais e o/a nutricionista do município, que é quem organiza o cardápio das merendas escolares. Além de abordar, no primeiro dia, a gestão da água e os cuidados com a cisterna para se garantir uma água de qualidade e os problemas que a comunidade no entorno enfrentam com relação a esse recurso, a formação aponta para a segurança alimentar, a agricultura familiar e a qualidade das merendas nas escolas.

“Na avaliação das formações de GRHE que já fizemos elas ficaram muito surpresos com a questão de ter um curso destinado para as merendeiras, geralmente só tem formação para os educadores/as. Elas nunca tiveram uma formação. É aí que você vê o distanciamento que a escola tem dessas pessoas”, diz Claudete Lourenço, que faz parte da equipe do projeto Cisternas nas Escolas na Agroflor e estava presente no encontro para construção do II módulo do ECSA.

Para Maria Cristina Aureliano, coordenadora pedagógica do Centro Sabiá, a realidade das merendas nas escolas públicas difere das orientações gerais do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que inclusive determina que no mínimo 30% do valor repassado para estados e municípios deve ser utilizado na compra de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar, o que refletiria em uma alimentação mais saudável para as crianças. “A política (PNAE) vai para um lado e a prática para o outro, que é a cultura dos alimentos industrializados, que demandam menos tempo na preparação, o abrir latas, abrir pacotes”, afirma ela.

“No GRHE perguntamos qual alimento que tem na escola elas acham que representa a segurança alimentar, o que a agricultura familiar daquele município produz e fazemos o cruzamento dos dados, para identificar quais destes estão na merenda escolar. O que traz para a discussão o PNAE”, explica Rodrigo Adrião, coordenador do projeto Cisternas nas Escolas no Centro Sabiá.

Para Rodrigo, a formação pode ser um ponto positivo para a segurança alimentar dos municípios beneficiados por dois caminhos. Através da sensibilização dos/as nutricionistas, que são as pessoas que selecionam os alimentos da merenda, mas também com a sensibilização da própria merendeira, que é quem recebe o alimento. “Se ela não está sensibilizada quando o alimento chega, essa cadeia se quebra. Nas formações estamos dialogando com três atores (nutricionista, merendeiras e educadores) que formam uma rede, na verdade. E a ideia é que isso tenha uma influência positiva no município”, conclui ele.

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