sexta-feira, 21 de setembro de 2012

A igreja e a seca na estiagem no Sertão do Pajeú*


O bispo de Afogados da Ingazeira prega ações prévias para evitar efeitos da estiagem 

Por Centro Sabiá, entrevista realizada por Daniel Lamir 

crédito foto: portal PE 360 Graus
Ao iniciar um diálogo com o Bispo de Afogados da Ingazeira, Dom Egídio Bisol, o sotaque italiano deixa evidente a distância da origem de nascimento do religioso com o Semiárido brasileiro. Com mais algumas poucas palavras de conversa, o quarto Bispo de Afogados da Ingazeira revela preocupações que o aproximam de temas como estiagem e "indústria da seca" na região. Na época ainda padre, Dom Egídio chegou ao Brasil em 31 de janeiro de 1976 para dar seqüência ao trabalho da pastoral social da Diocese neste campo. A pastoral social de Afogados da Ingazeira atua em duas direções para promover a convivência digna com o Semiárido.  

Centro Sabiá – O que precisa mudar no Semiárido brasileiro?

Dom Egídio Bisol - Eu acho que o que mais atrapalha o Semiárido é tratar da seca apenas no tempo da seca. Falar em política em ano de política é pior. A gente tem que trabalhar em outros momentos porque os ânimos estão mais calmos. Correr atrás de emergência quando realmente existe uma situação de emergência faz com que tenhamos que fazer as coisas nas pressas e muitas vezes não bem pensadas. Acho que temos uma falha grave por parte dos governantes e do próprio povo. Quando está chovendo parece que os assuntos do Semiárido não existem. As questões do Semiárido existem sempre. Faz 36 anos que estou aqui e vi uma mudança enorme no Sertão. Vi melhorias nas comunicações, nas estradas, no transporte, educação, saúde. Além disso, tivemos mudanças nas atitudes das autoridades e na consciência da população. Mas quando falamos em abastecimento de água ainda estamos nas mesmas condições de 30 anos atrás. Lembro que morei em São José do Egito, em 1982, em uma época de grande seca, e o açude da cidade secou. E como foi o abastecimento naquela época? Carro pipa. Agora, trinta anos depois, o açude voltou a secar. Como é? Carro pipa. Acho que temos que crescer neste caminho. Como é que agora quer se fazer uma adutora em dois meses quando poderia ter sido feita com calma ao longo de anos? Por que só agora se descobre poços como o que foi encontrado em Riacho do Meio?. Por que não houve uma insistência com a silagem que é uma técnica para guardar alimentos? Eu já encontrei silos que agora servem de chiqueiros. Esses são elementos que deveriam ser pensados para a realidade de convivência com o Semiárido e não sonhando com grandes soluções que no fim não dão em nada. Estamos vendo agora a transposição, que foi feita toda aquela confusão, se gastou muito dinheiro, muita coisa foi estragada, estragaram o meio ambiente e está tudo parado. O estrago que prevíamos já foi feito. É claro que em tempo de seca temos que recorrer a medidas emergenciais, algumas estão sendo tomadas. Agora devemos entender que mais importante que essas ações emergenciais é fazer uma ação que reestruture a nossa região, preparando para esses momentos que não são extraordinários.

Centro Sabiá – Dom Egídio, o senhor trouxe dados sobre gastos exorbitantes que não trazem resultados para a convivência. Ainda nesta questão do dinheiro, sabemos muitas pessoas agem com ganância pensando em lucrar ainda mais neste momento de seca. Qual a relação que podemos fazer do dinheiro e seca? 

Dom Egídio Bisol - Eu acho que você e eu sabemos muito bem que onde corre muito dinheiro a tentação de se aproveitar é muito forte. Jesus dizia que o dinheiro é um concorrente de Deus. Ou Deus ou o dinheiro. Ele dizia porque sabia que o dinheiro era algo muito importante e muito perigoso. Isso em todos os campos. Eu digo isso com muita tranqüilidade. Inclusive dentro da Igreja o dinheiro é uma tentação. Temos que defender que alguns fatos recentes são provas disso. Quando tem todos esses recursos chegando também pode existir alguém que possa se aproveitar. Eu acho que uma grande pista de ações das organizações, da sociedade, e também da própria Igreja, será de ficar com os olhos abertos e fiscalizar o próprio uso desses recursos e se eles vão chegar aos locais onde realmente foram destinados para aliviar a situação de pessoas a de animais.

Centro Sabiá - Como a Diocese de Afogados pode ajudar na construção de uma nova forma de pensar o Semiárido? 

Dom Egídio Bisol - Todo o apoio que a Diocese vem dando aos pequenos agricultores vai nessa direção. Falar em pequena agricultura é falar numa mudança de mentalidade das pessoas, na relação entre pessoa humana e natureza. O trabalho que a Diocese faz a grupo de assentados da reforma possui muito deste aspecto. Estamos inclusive com um grupo de pessoas que trabalham num projeto provando que o Semiárido é viável. Quando eu digo "viável" não é só de dizer que a pessoa tem o que comer. Os jovens não aceitam mais viver na agricultura só para ter o que comer. E eu acho justa esta razão. O Semiárido possui melhores condições para viver, e, também do ponto de vista econômico, do que quem vai para a cidade e vira assalariado, muitas vezes com salário mínimo. Queremos mostrar para os jovens também neste relacionamento com a mãe terra, que eles vão ter uma qualidade de vida que nenhuma cidade pode oferecer. Porque os sonhos da cidade, dos trabalhos, dos salários acabam sendo uma grande ilusão para os jovens. Eu acho que se dermos um sinal concreto de que é possível ter outros sonhos seria uma ajuda muito grande para a nossa região. 

*Entrevista realizada e publicada no mês de junho/2012. Fonte: Centro Sabiá.

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