Em entrevista ao
Caatinga, professora da UFPB alerta para as consequências do processo de
fechamento das escolas do campo
por Kátia Rejane
Albertina
de Brito (à direita) participou de mesa em encontro da ASA | Foto: Verônica
Pragana (Asacom)
Aconteceu no município de Areia (PB),
entre os dias 11 e 13 de julho, a Oficina de Formação dos Monitores e Monitoras
Pedagógicos/as do Programa Cisternas nas Escolas, realizada pela Articulação
Semiárido Brasileiro (ASA). A professora Albertina Maria de Brito, da
Universidade Federal da Paraíba (UFPB), campus Bananeiras, e que integra a Rede
de Educação do Semiárido Brasileiro (Resab) participou contribuindo em uma das
mesas do encontro. Em entrevista ao Caatinga, Albertina Brito fala sobre a
importância de uma educação para a convivência com o Semiárido e alerta para as
consequências do processo de fechamento das escolas do campo.
Caatinga – Como
você avalia o papel da academia no processo de construção e fortalecimento da
convivência com o Semiárido?
Albertina Maria de
Brito – A academia tem um papel
fundamental de democratização do conhecimento, democratização do saber, de
sistematização na tentativa de aprimoramento de processos históricos, culturais
dos povos do Semiárido. Para isso, a academia precisa primeiro se descobrir
também nesse contexto. É preciso ela reconhecer que tem um papel. Já existem
vários sujeitos na academia que tem esse empoderamento do reconhecimento do
Semiárido, mas é preciso a gente avançar no sentido de se reconhecer como
sujeitos históricos num contexto que teve processos de escolarização
negligenciados, no direito a ter acesso. E é preciso a gente ir entendendo
isso, dar as colaborações, que de fato vão influenciar o que a gente defende
quando se trata de educação como direito, de propiciar a emancipação desses
sujeitos, de propiciar a liberdade, no sentido de liberdade de ação, de
atuação. O conhecimento e o reconhecimento com valorização dos seus processos
históricos e culturais. E aí a academia tem um papel fundamental no que diz
respeito em como ela fomenta suas pesquisas.
Caatinga – E a
participação de outros atores, outras organizações nesse processo de educação,
como você avalia isso?
Albertina – São sujeitos que são fundantes dese processo.
Fundantes no sentido de existência histórica desse contexto, e sujeitos que tem
conhecimentos, que tem sabes históricos que precisam ser também partilhados. E
um dos espaços da partilha desses processos é por meio da escolarização, é por
meio dos processos de uma academia que luta e enxerga esses sujeitos como
conhecedores, sabedores, detentores de saberes históricos, necessários a nossa
existência como um todo. Tais como a soberania alimentar, a escolarização
enquanto direito no sentido e significado pra vida dos sujeitos. A gente tem
inúmeras comunidades tradicionais, com pessoas que fazem esses processos, porém
não têm a visibilidade necessária para que esses processos tomem a devida
amplitude que devem tomar, no sentido da dimensão do Semiárido mais povoado do
mundo que é o nosso.
Caatinga – Nesse
território, vocês fizeram uma pesquisa sobre o processo de fechamento de
escolas. Queria que você contasse para a gente um pouco de como vocês enxergam
esse processo que acontece no Brasil todo de fechar escolas do campo. É de fato
necessário fazer esse fechamento ou tem outras vias?
Albertina – Tem várias outras vias. Primeiro a gente
entende que fechar escola é crime! Existe uma bandeira de luta, como iniciativa
dos movimentos sociais, principalmente o MST [Movimento dos Trabalhadores Sem
Terra]. E fechar escola é um crime porque fere o direito a ter acesso a uma
educação escolarizada com toda a carga de conhecimento histórico do contexto
que o sujeito está inserido. Na hora que você fecha, você tira essa
possibilidade, você nega que o sujeito tem acesso a conhecimentos universais,
conhecimentos que são parte do patrimônio histórico da humanidade. Com todas as
contradições que a escola tem, você tira todas as possibilidades de existência,
de construção de conhecimento desses sujeitos nesse contexto. E a nossa luta é
pelo direito a ter acesso à educação, só que não é qualquer educação. E a
educação que a gente defende é aquela que bebe nos princípios da educação para
a convivência com o Semiárido, nos princípios da educação popular, nos
princípios da educação do campo. É a educação que bebe nos princípios do
acúmulo da sociedade civil organizada e que tem demonstrado por várias vias,
por vários caminhos, como a gente pode protagonizar esses processos. Então, a
gente defende essa educação também dentro da escola. A gente fala educação num
sentido amplo, educação dentro e fora da escola. Entender esse processo de
fechamento por meio de uma pesquisa foi uma iniciativa da Rede de Educação do
Campo da Borborema. A rede é constituída por pessoas e instituições do
Território Agroecológico da Borborema, que é mobilizado pelo Polo Sindical da
Borborema, que é uma organização de sindicatos locais que tem todo um processo
e ações educativas nesse contexto. A rede se constitui de sujeitos,
universidades, assessores técnicos da AS-PTA, do Polo, da UFPB campus Bananeiras,
representantes de secretarias de educação. E a rede se articula desde
2006/2007, como iniciativa reconhecimento das práticas em educação do
campo no nosso território, e de reconhecimento da necessidade de valorização
dessas práticas. E um dos encaminhamentos nosso foi, primeiro mapear essas
realidades em termos de educação do campo. Depois, com a chegada mais ou menos
em 2009/2010, quando ficou mais forte o processo de fechamento, a gente viu
como uma necessidade fundamental de entender isso, e aí foi quando veio a
história de fazer uma pesquisa, feita a várias mãos de entendimento de como
está esse processo. Só que pensamos a pesquisa não para quantificar, mas para
entender o impacto desses processos na vida dos camponeses. É daí que vem os
relatos, que são chocantes, de pessoas que não tem mais acesso a essa escola no
seu contexto. É o seu direito negado nesse processo de reordenamento escolar.
Na tentativa de entender isso, a gente selecionou quatro municípios: Solânea,
Remígio, Areia e Massaranduba. Desses quatro, como somos poucos e a gente não
teve como dar conta de tudo, a gente trabalho especificamente dois: Solânea e
Remígio e mais especificamente Solânea, que foi o município que a gente chegou
a fazer a devolução do resultado dessa pesquisam com os sujeitos que
participaram das narrativas com relação ao impacto desse fechamento. A gente
não chegou a publicar, mas nós temos elementos para discutir porque não fechar,
porque fechar é crime, porque que existem outras vias para o não fechamento. Temos
elementos para fazer isso e a gente está tentando pautar por onde a gente
passa, com base nesses elementos, esses resultados. Não existe só essa
pesquisa, já existem outros estudos mais quantitativos sobre os fechamentos,
inclusive no contexto do Semiárido. Enquanto Rede de Educação do Polo da
Borborema temos assento no Comitê Estadual de Educação do Campo e lá a gente já
está pautando a necessidade de entender e trazer a tona esse processo do
fechamento no estado como um todo.
Caatinga – No
contexto político em que vivemos de golpe, como as atuais medidas do governo
estão impactando a educação contextualizada para a convivência com o Semiárido?
Albertina – Foram cortes significativos no que diz
respeito a redução de investimento em uma educação, que não é nem a educação
que a gente espera, é importante ressaltar isso. Mas houve cortes e a tentativa
de imposição, por exemplo, da escola da mordaça. Que é uma proposta que vem com
uma escola sem partido, mas totalmente partidária a um modelo de desenvolvimento
econômico que desconstrói todo processo que a gente vem construindo de maneira
lenta, de maneira desafiante por conta das condições que temos para construir,
que não são muitas. Mas somos muito resistentes no Semiárido, e vem por
exemplo, uma proposta como essa do governo para quebrar todo esse processo, por
exemplo, a Reforma do Ensino Médio, uma proposta que vem no sentido de formação
de mão de obra. Não é nenhuma formação voltada para pensar a vida, para pensar
a existência da vida no lugar que se tem. É uma formação voltada para a
profissionalização do sujeito para desqualificação do trabalho e venda da mão
de obra barata. Então, há uma série de ataques na educação como um todo, e são
justamente porque a gente estava conseguindo ter um pouco de avanço, no que diz
respeito a maneira de pensar, de se enxergar e de ser. Então, o desmonte
principal, o ataque é na educação.
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