sexta-feira, 24 de abril de 2015

Sementes para plantar depois: agricultores/as participam de formação para criação de bancos de sementes

por Romário Henrique - SERTA

Guardar sementes para fazer uso em um novo plantio é prática bastante comum entre agricultores/as. A atividade é ideal para manutenção das sementes crioulas, que são as nativas, conservadas e cuidadas pelas famílias de agricultores e que apresentam características que contribuem para prática orgânica, já que são mais resistentes e menos dependentes de insumos. Conservá-las em garrafas plásticas, trocá-las com o/a vizinho/a, além de fortalecer os laços de afeto, sustenta a qualidade dos alimentos e contribui para a sustentabilidade dos ecossistemas e agroecossistemas.

No entanto, muitas famílias agricultoras/camponesas acabaram perdendo muitas das sementes crioulas, que se estragaram ou até mesmo porque foram deixadas de guardar, já que “o governo abastece no outro ano”. A importância desse debate foi pauta do encontro de formação para a organização de bancos de sementes, realizado nesta quarta-feira (22). Participaram agricultores/as das comunidades Jenipapo e Cabeceiras, do município de Canhotinho/PE. A atividade é uma realização do Serta, através do Programa Uma Terra, Duas Águas (P1+2), em parceria com a Articulação no Semiárido (ASA/PE), IPA de Canhotinho e Garanhuns, ADAGRO e associações comunitárias.

A agricultora Inaiza Maria (foto), 63, de Canhotinho/PE, é exemplo nos cuidados para que sempre haja sementes disponíveis. “Nós tem feijão que tá com dois anos agora de colher. A gente colheu, botou nas garrafas de plástico, sem veneno sem nada. No ano passado não gastou todo, não vendemos todo também. Nós não compra pra plantar noutro ano. Sempre tem semente pra plantar depois”, diz.

Ela teve sua experiência sistematizada no informativo O Candeeiro, do P1+2, onde fala das variedades de sementes crioulas e da sabedoria para mantê-las conservadas. “Tem semente de milho alho, aqueles de fazer pipoca; milho grande; feijão de corda; fava; mulatinho; preto e favita. Boto as vagens na calçada pra secar durante o dia e tiro a noite por causa do sereno. Vou fazendo isso até ficar seco. Aí depois é batido. Hoje nós bate na máquina, mas antigamente batia com pau, até soltar tudim. Depois cato os grãos ruim pra jogar fora. Bota os que serve nos sacos pra vender e nas garrafas pra comer e guardar. Fica tudo ali, na sala, guardadinho.”

A experiência da agricultora é inspiração para a criação do banco de sementes que as famílias agricultoras das comunidades Jenipapo e Cabeceiras estão estudando fazer. Os bancos de sementes de comunidades da Paraíba e Alagoas também serviram como referência, onde a colaboração, gestão e sabedoria das famílias agricultoras agregam potenciais e identidade ao trabalho.

Durante o encontro, as discussões percorreram sobre o modelo agrícola baseado na utilização de sementes transgênicas e os males desse cultivo; defensivos naturais e formas de armazenamento das sementes e a bioconstrução.

De acordo com a coordenadora do Projeto pelo Serta, Ivone Sulamita, no semiárido pernambucano “há grande diversidade de sementes crioulas, pois muitas famílias mantiveram características da agricultura tradicional, cultivando as sementes originárias, e precisamos fortalecer essa prática”. Para Ivone, “o cultivo dessas sementes depende do entendimento das famílias agricultoras sobre a importância de guardá-las, e também o fortalecimento das políticas públicas, que ainda aparece de forma tímida na Política Nacional de Sementes”.

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