terça-feira, 2 de outubro de 2012

Ano de seca e de alerta com as eleições municipais*


Por Catarina de Angola (Centro Sabiá)

Foto: site EcoDebate
Dando continuidade a série de entrevistas sobre o momento que o Nordeste brasileiro tem passado, conversamos com João Suassuna, engenheiro agrônomo e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj). Na entrevista, Suassuna fala da previsibilidade dos períodos de seca, das políticas necessárias para a garantia da vida digna na região. E alerta os cidadãos e cidadãs para o ano eleitoral, para que não se fortaleça a prática de troca de água por voto. 

Centro Sabiá - Convivência com o Semiárido ou Combate à Seca?

João Suassuna - Combate à seca não existe porque, enquanto fenômeno natural, as secas sempre vão ocorrer e não há sentido traçar estratégias para combater um fenômeno que é natural e recorrente. O que propomos é montar estratégias para se conviver com o fenômeno. Assim, temos linhas interessantes de trabalho, inclusive por organizações não governamentais, a exemplo da ASA [Articulação no Semi-Árido Brasileiro] e do Centro Sabiá, que já desenvolvem um trabalho sério voltado para a convivência do homem com o ambiente natural do nosso Nordeste seco em uma espécie de convivência. Isso é o que existe e que estamos em busca.    

Centro Sabiá - Existiriam políticas públicas que poderiam ter amenizado os efeitos desta seca que estamos passando?  

João Suassuna – Claro. As secas são previsíveis. Existem estudos feitos que mostram que elas existem e são recorrentes. De 26 em 26 anos existe uma grande seca, e, neste intervalo, secas menores. Isso é uma coisa previsível. O que não foi feito pelas autoridades, sabendo dessas secas, foram ações estruturadoras no sentido de fixar o homem no campo. Isso aí não foi feito. E o grave é que essas ações existem. Essas ações poderiam ser voltadas primeiro para abastecer o povo em termos de recursos hídricos, as tecnologias estão aí, os açudes do Nordeste têm uma capacidade de acumular 37 milhões de metros cúbicos de água. É o maior volume de água represado em regiões semiáridas do mundo. E essas águas têm que ser levadas às populações através de adução, do uso de tubulação. E não através desses projetos faraônicos que estão sendo feitos aqui – que é o caso da transposição do Rio São Francisco – e sabemos que um canal que tem 25 metros de largura, cinco de profundidade e 700 quilômetros de extensão, que essa água vai ser usada no agronegócio, na criação do camarão, na irrigação pesada. Para abastecer o povo que vive de forma difusa no Semiárido, nos pequenos lugarejos, esse povo não vê nenhuma gota do Rio São Francisco. Isso no meu modo de entender é a verdadeira Indústria da Seca. 98% da região semiárida não pode ser irrigada devido a uma geologia específica daqui, da qualidade da água que não presta para irrigação. Existem outras tecnologias, outras formas de convívio, como o uso da Caatinga, uma pecuária adaptada ao período seco... Tudo isso existe. Porém os nossos políticos não querem resolver esse problema porque se fosse resolvido eles não teriam o que dizer quando subissem no palanque em época de eleição. Esse é que é o grande problema.       

Centro Sabiá - Neste período de seca é preciso muito cuidado com a prática de troca de voto por água.

João Suassuna - Exatamente. Você sabe que numa hora dessas os governos partem para colocar caminhões pipa no meio rural para abastecer o povo. Sabemos que esta é uma solução paliativa, inclusive com sequelas políticas enormes. Como exemplo, podemos supor que eu seja prefeito e você mora neste município. Eu sei que você não votou em mim. Eu tenho um carro-pipa. Você acha que eu vou lhe abastecer? Isso acontece no Nordeste como um todo. Temos que ter muita atenção porque água é uma questão complicada, ou você dá água ao cidadão ou ele morre de sede. Então as pessoas têm um poder muito grande nas mãos e que serve de moeda de troca para o voto. Isso é o que a gente não pode deixar acontecer na nossa região.   

Centro Sabiá - Os agricultores precisam denunciar a troca de votos por água...

João Suassuna - Exatamente. E neste período de eleições agora isso vai acontecer bastante. Vão traçar uma estratégia política para trocar o carro-pipa por voto. Isso vai acontecer com certeza.     

Centro Sabiá - A ASA assinou há pouco um termo de parceria com MDS [Ministério do Desenvolvimento Social] para construção de mais de 40 mil tecnologias sociais de captação de água, tanto para beber quanto para produzir, você acha que essas são ações estruturantes que contribuem para a Convivência com o Semiárido? 

João Suassuna - Sem dúvida alguma. Temos hoje no Nordeste um Programa de Um Milhão de Cisternas coordenado pela ASA. Isso é uma coisa maravilhosa. Para uma cisterna rural é feito um cálculo do telhado da casa, das pessoas e se chegou ao seguinte: em um metro quadrado de telhado, se chover um milímetro, temos um litro de água. No Semiárido chove até 800 milímetros. Então temos água com certeza. Uma cisterna de 16 mil litros fornece água para uma família de cinco pessoas durante os oito meses sem chuva na região. Água boa para beber e cozinhar. Não pode ser para outro uso. Porque o que tenho visto na mídia aqui é que chega um vizinho de um cidadão com o boi dele que está com sede. Então ele mete uma lata na cisterna e leva para o boi dele. Isso aí acaba secando a cisterna do cidadão. O cálculo foi feito para uma família de cinco pessoas durante os oito meses sem chuva na região com água para beber e cozinhar, mas para aquela família. Então funciona. E a ASA partiu agora para outra modalidade de cisterna, que é uma maior, de 52 mil litros, para possibilitar o cidadão a plantar um tomate, um feijão... Para ele ter a sua comida, seu alimento. Isso funciona também. Esta é a cisterna calçadão. Essas tecnologias funcionam e o governo agora está acordando para essa ação.     

*Entrevista realizada no mês de junho e publicada no mês de julho/2012. Fonte: Centro Sabiá.

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