quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Entrevista: A secura das vozes


Por Centro Sabiá, entrevista realizada por Daniel Lamir

As grandes secas no Semiárido brasileiro são previsíveis e acontecem em ciclos monitorados e percebidos por estudiosos e, principalmente, por agricultores e agricultoras. Apesar do conhecimento geral sobre o comportamento climático na região, a cada novo período de grande estiagem, o estado apresenta ações emergenciais e se esquece de ouvir a voz de cidadãos e cidadãs que convivem com o Semiárido. 

Mais da metade dos municípios nordestinos decretou situação de emergência por causa da falta de chuvas neste ano de 2012. Pensando em contribuir com ações governamentais, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Pernambuco (Fetape) elaborou duas pautas de reivindicações direcionadas aos governos federal e estadual. Os documentos contam a participação de diversas entidades da sociedade civil que atuam diretamente com e para a convivência digna com o Semiárido. O estado, por sua vez, organizou sua atuação através de comitês, formando redes integradas de secretarias estaduais e federais. 

O mês de abril, o governo do estado de Pernambuco definiu a composição do Comitê Integrado de Combate à Estiagem na Região do Semiárido Brasileiro no Estado Pernambuco, contando apenas com secretarias governamentais. Para falar sobre esse Comitê, damos continuidade a série de entrevistas sobre a situação de seca, e conversamos com Doriel Barros, presidente da Fetape. 
            
Centro Sabiá - Doriel, a pauta de reivindicações apresentada pela Fetape está sendo cumprida pelo estado?

Doriel Barros - O governo tem sinalizado que está fazendo um levantamento das propostas que encaminhamos. Por exemplo, está avaliando o impacto do valor que estamos indicando como contraproposta para o Bolsa Estiagem. Na questão das cisternas e de poços artesianos, além de outros pontos estruturantes, o governo anunciou uma quantidade, mas bem menor do que estamos solicitando. Disse que há possibilidade de cumprir a demanda, mas não há nada certo de que o cumprimento seja integral. Solicitamos que o estado antecipasse o Garantia Safra e permanece a dificuldade para as famílias receberem o seguro ao qual elas têm direito. A resposta do estado ainda não está na velocidade e na totalidade da pauta que entregamos.     

Centro Sabiá - Por outro lado, como avaliar a atuação dos governantes diante da seca? 

Doriel Barros - As ações ainda são muito tímidas. Não temos percebido nas comunidades rurais a ação e a presença do estado, sobretudo, neste momento de dificuldade e desespero que passam os agricultores. A cada momento a situação fica mais crítica e as ações não chegam como deveriam. Acompanhamos apenas anúncios. Se as ações não chegam, os agricultores chegam ao desespero. O estado e o Comitê [Integrado de Combate à Estiagem na Região do Semiárido Brasileiro no Estado Pernambuco] têm feito apenas discussões pontuais sobre algumas ações, de pequenas adutoras, mas que não atendem a totalidade de locais necessitados, já que temos todo o Sertão e quase todo o Agreste precisando de ações. O estado tenta atender, mas não consegue chegar a maioria dos agricultores que estão em uma situação difícil. A situação atual é de famílias com reservatório de água que secaram ou que estão quase secos e precisam da ação do governo. Um exemplo de anúncio ainda sem prática é a questão dos carros-pipa. A demanda vem aumentando, mas o estado não está acompanhando a situação. 

Centro Sabiá - Um dos pontos da pauta de reivindicações apresentada pela Fetape é a importância da sociedade civil participar do Comitê Integrado de Combate à Estiagem na Região do Semiárido Brasileiro no Estado Pernambuco, situação que não foi atendida. Como você analisa esta postura do estado?  

Doriel Barros - É um governo que se apresenta de esquerda, popular, democrata, mas que infelizmente passa uma imagem de um governo que quer ser concentrador nos espaços onde se constrói e implementa políticas públicas. É um erro do governo não considerar a sociedade civil. A ausência da sociedade civil nesse Comitê faz com que as ações não aconteçam na dimensão e na forma que os agricultores precisam. A voz da sociedade civil nada mais é do que a voz do trabalhador. A sociedade civil está lá nas comunidades rurais, seja pelos sindicatos, seja pelas organizações que trabalham no local. Então se a sociedade civil estivesse neste Comitê teríamos uma ação organizada a partir do olhar do agricultor. Quando o estado deixa de escutar a sociedade civil há um risco das ações serem realizadas a partir do olhar de quem está distante. Por exemplo, nós propomos – e ainda bem que o governo aceitou a nossa proposta – a gestão dos conselhos municipais na distribuição dos carros-pipa. Porque neste ano de eleições o risco do uso da água como troca de voto ou favores é muito grande. Mas há outras questões interessantes também que a sociedade pode estar trazendo. Neste cenário que passamos as informações não chegam aos trabalhadores como deveriam chegar ou a partir das definições que são tomadas neste Comitê. A participação da sociedade civil iria facilitar a distribuição destas informações.            

Centro Sabiá - O Estado tem argumentado sobre a falta de abertura para a sociedade civil participar do Comitê Integrado de Combate à Estiagem na Região do Semiárido Brasileiro no Estado Pernambuco?

Doriel Barros – O ministro [Fernando Bezerra da Coelho, da Integração Nacional] quando aqui esteve [dia 30 de abril, na sede da Fetape, no Recife] foi muito simpático à proposta que tínhamos feito, da proposta da sociedade civil contribuir. O próprio governo tem colocado que neste momento todos nós, tanto governo como sociedade civil, temos que estar voltados para este enfrentamento. O ministro faz essa referência, o próprio secretário de Agricultura [de Pernambuco], Ranilson Ramos, também reconhece a importância da sociedade civil compor esses espaços. O senador Humberto Costa também reconhece a legitimidade da sociedade civil nestes espaços de deliberação e encaminhamento. O governador [Eduardo Campos] também reconhece, porque até falou para a imprensa que achava muito pertinente a solicitação do movimento sindical no Comitê Estadual, porém alegava que era um formato de Brasília que previa apenas a composição com órgãos de governo. Eu já tive a oportunidade de dizer ao governador que este formato pode ser alterado em nível de estado, dependendo também da compreensão que o estado possa ter. Temos o exemplo da Paraíba e do Ceará, onde foram constituídos comitês estaduais de enfrentamento à seca com a presença da sociedade civil e das federações. Eu tenho certeza que isso vai ser um instrumento importante de apoiar as ações do próprio estado. Esperamos que aqui o governo possa ter essa abertura para que a sociedade possa contribuir. 

Centro Sabiá - Doriel, você fala sobre a importância do estado estar dialogando com a sociedade civil neste momento de emergência. O que podemos falar sobre a importância do governo dialogar com o Semiárido de forma permanente?

Doriel Barros - O Nordeste passou os últimos quinhentos anos sendo ignorado pelos governos em relação às políticas públicas. O Semiárido brasileiro passou muitos anos sendo visto e reconhecido como um espaço sem potencial. Mas para isso seria necessário que o estado tivesse agido por infra-estruturas hídricas na região. É verdade que a partir do governo Lula houve um olhar diferenciado para o Nordeste. A questão das cisternas é uma realidade que se não houvesse teríamos uma realidade muito mais difícil. Esta, e outras, foram ações estruturantes propostas pela sociedade civil e que o governo ajudou a implementar. Mas as ações do estado ainda são muito tímidas. O país tem muito mais condições de investir no Nordeste. O estado tem Pernambuco hoje tem condições de investir em ações emergenciais e também em ações estruturantes. 

*Entrevista realizada e publicada no mês de maio/2012. Fonte: Centro Sabiá.

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