Por Centro Sabiá, entrevista realizada por Daniel Lamir
Mais da metade dos municípios nordestinos decretou situação de emergência por causa da falta de chuvas neste ano de 2012. Pensando em contribuir com ações governamentais, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Pernambuco (Fetape) elaborou duas pautas de reivindicações direcionadas aos governos federal e estadual. Os documentos contam a participação de diversas entidades da sociedade civil que atuam diretamente com e para a convivência digna com o Semiárido. O estado, por sua vez, organizou sua atuação através de comitês, formando redes integradas de secretarias estaduais e federais.
O mês de abril, o governo do estado de Pernambuco definiu a composição do Comitê Integrado de Combate à Estiagem na Região do Semiárido Brasileiro no Estado Pernambuco, contando apenas com secretarias governamentais. Para falar sobre esse Comitê, damos continuidade a série de entrevistas sobre a situação de seca, e conversamos com Doriel Barros, presidente da Fetape.
Centro Sabiá - Doriel, a pauta de reivindicações apresentada pela Fetape está sendo cumprida pelo estado?
Doriel Barros - O governo tem sinalizado que está fazendo um levantamento das propostas que encaminhamos. Por exemplo, está avaliando o impacto do valor que estamos indicando como contraproposta para o Bolsa Estiagem. Na questão das cisternas e de poços artesianos, além de outros pontos estruturantes, o governo anunciou uma quantidade, mas bem menor do que estamos solicitando. Disse que há possibilidade de cumprir a demanda, mas não há nada certo de que o cumprimento seja integral. Solicitamos que o estado antecipasse o Garantia Safra e permanece a dificuldade para as famílias receberem o seguro ao qual elas têm direito. A resposta do estado ainda não está na velocidade e na totalidade da pauta que entregamos.
Centro Sabiá - Por outro lado, como avaliar a atuação dos governantes diante da seca?
Doriel Barros - As ações ainda são muito tímidas. Não temos percebido nas comunidades rurais a ação e a presença do estado, sobretudo, neste momento de dificuldade e desespero que passam os agricultores. A cada momento a situação fica mais crítica e as ações não chegam como deveriam. Acompanhamos apenas anúncios. Se as ações não chegam, os agricultores chegam ao desespero. O estado e o Comitê [Integrado de Combate à Estiagem na Região do Semiárido Brasileiro no Estado Pernambuco] têm feito apenas discussões pontuais sobre algumas ações, de pequenas adutoras, mas que não atendem a totalidade de locais necessitados, já que temos todo o Sertão e quase todo o Agreste precisando de ações. O estado tenta atender, mas não consegue chegar a maioria dos agricultores que estão em uma situação difícil. A situação atual é de famílias com reservatório de água que secaram ou que estão quase secos e precisam da ação do governo. Um exemplo de anúncio ainda sem prática é a questão dos carros-pipa. A demanda vem aumentando, mas o estado não está acompanhando a situação.
Centro Sabiá - Um dos pontos da pauta de reivindicações apresentada pela Fetape é a importância da sociedade civil participar do Comitê Integrado de Combate à Estiagem na Região do Semiárido Brasileiro no Estado Pernambuco, situação que não foi atendida. Como você analisa esta postura do estado?
Doriel Barros - É um governo que se apresenta de esquerda, popular, democrata, mas que infelizmente passa uma imagem de um governo que quer ser concentrador nos espaços onde se constrói e implementa políticas públicas. É um erro do governo não considerar a sociedade civil. A ausência da sociedade civil nesse Comitê faz com que as ações não aconteçam na dimensão e na forma que os agricultores precisam. A voz da sociedade civil nada mais é do que a voz do trabalhador. A sociedade civil está lá nas comunidades rurais, seja pelos sindicatos, seja pelas organizações que trabalham no local. Então se a sociedade civil estivesse neste Comitê teríamos uma ação organizada a partir do olhar do agricultor. Quando o estado deixa de escutar a sociedade civil há um risco das ações serem realizadas a partir do olhar de quem está distante. Por exemplo, nós propomos – e ainda bem que o governo aceitou a nossa proposta – a gestão dos conselhos municipais na distribuição dos carros-pipa. Porque neste ano de eleições o risco do uso da água como troca de voto ou favores é muito grande. Mas há outras questões interessantes também que a sociedade pode estar trazendo. Neste cenário que passamos as informações não chegam aos trabalhadores como deveriam chegar ou a partir das definições que são tomadas neste Comitê. A participação da sociedade civil iria facilitar a distribuição destas informações.
Centro Sabiá - O Estado tem argumentado sobre a falta de abertura para a sociedade civil participar do Comitê Integrado de Combate à Estiagem na Região do Semiárido Brasileiro no Estado Pernambuco?
Doriel Barros – O ministro [Fernando Bezerra da Coelho, da Integração Nacional] quando aqui esteve [dia 30 de abril, na sede da Fetape, no Recife] foi muito simpático à proposta que tínhamos feito, da proposta da sociedade civil contribuir. O próprio governo tem colocado que neste momento todos nós, tanto governo como sociedade civil, temos que estar voltados para este enfrentamento. O ministro faz essa referência, o próprio secretário de Agricultura [de Pernambuco], Ranilson Ramos, também reconhece a importância da sociedade civil compor esses espaços. O senador Humberto Costa também reconhece a legitimidade da sociedade civil nestes espaços de deliberação e encaminhamento. O governador [Eduardo Campos] também reconhece, porque até falou para a imprensa que achava muito pertinente a solicitação do movimento sindical no Comitê Estadual, porém alegava que era um formato de Brasília que previa apenas a composição com órgãos de governo. Eu já tive a oportunidade de dizer ao governador que este formato pode ser alterado em nível de estado, dependendo também da compreensão que o estado possa ter. Temos o exemplo da Paraíba e do Ceará, onde foram constituídos comitês estaduais de enfrentamento à seca com a presença da sociedade civil e das federações. Eu tenho certeza que isso vai ser um instrumento importante de apoiar as ações do próprio estado. Esperamos que aqui o governo possa ter essa abertura para que a sociedade possa contribuir.
Centro Sabiá - Doriel, você fala sobre a importância do estado estar dialogando com a sociedade civil neste momento de emergência. O que podemos falar sobre a importância do governo dialogar com o Semiárido de forma permanente?
Doriel Barros - O Nordeste passou os últimos quinhentos anos sendo ignorado pelos governos em relação às políticas públicas. O Semiárido brasileiro passou muitos anos sendo visto e reconhecido como um espaço sem potencial. Mas para isso seria necessário que o estado tivesse agido por infra-estruturas hídricas na região. É verdade que a partir do governo Lula houve um olhar diferenciado para o Nordeste. A questão das cisternas é uma realidade que se não houvesse teríamos uma realidade muito mais difícil. Esta, e outras, foram ações estruturantes propostas pela sociedade civil e que o governo ajudou a implementar. Mas as ações do estado ainda são muito tímidas. O país tem muito mais condições de investir no Nordeste. O estado tem Pernambuco hoje tem condições de investir em ações emergenciais e também em ações estruturantes.
*Entrevista realizada e publicada no mês de maio/2012. Fonte: Centro Sabiá.
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