Por
Catarina de Angola (Centro Sabiá)
O Semiárido brasileiro tem
vivenciado um momento de forte estiagem. Muitas famílias já estão sem água para
garantir a sua alimentação e a alimentação dos seus animais. Além disso,
produções estão sendo perdidas por conta da falta de chuvas. O Governo Federal,
juntamente com os governos estaduais, lançaram diversas ações emergenciais para
tentar minimizar a situação das famílias em todos os estados da região. No
entanto, a sociedade civil organizada tem pressionado os governos para uma
urgência na efetivação das medidas anunciadas e a garantia da participação nas
discussões sobre a seca. Conversamos com Antonio Barbosa, coordenador do
Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), da Articulação no Semiárido Brasileiro
(ASA).
Centro
Sabiá – Barbosa, combate à seca ou Convivência
com o Semiárido?
Antônio
Barbosa – Convivência com o Semiárido com certeza. Primeiro porque
seca não se combate, acho que essa é uma discussão já antiga e conviver com a região
é a grande saída. E seca é milenar, desde que existe a história do Nordeste,
pelo menos quando vai mudando basicamente o mundo, você tem seca. E seca você
não tem só no Brasil você tem em vários outros países do mundo, inclusive nos
Estados Unidos. Você tem seca na Austrália, você tem seca na Ásia, você tem
seca na África e você tem seca no Brasil. Seca é um fenômeno natural, então se
é da natureza é comum, é aceitável, se convive com ela, se previne. E seca está
associada, sobretudo a ideia de Convivência com o Semiárido, porque conviver
com o Semiárido é estocar, a principal estratégia é estocar. E estocar água principalmente
para os períodos de estiagem.
Centro
Sabiá – Temos vivido um momento onde é colocado que é a maior seca dos últimos
30 ou 40 anos. E temos visto um movimento dos governos federal e estaduais de
ações emergentes para esse período. Mas essa situação não poderia ter sido
amenizada com ações mais estruturantes ao longo dos tempos?
Barbosa
– Temos
secas que tem ciclos em torno de 30 anos, são as grandes secas. A que estamos
vivendo agora é uma delas. Temos secas que vou chamar de médias secas, mas não
são comuns, e temos secas que acontecem a cada seis anos. Estudos do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) dão conta de registrar que desde quando
os portugueses chegaram ao Brasil, no ano de 1500, nós tivemos de lá para cá 72
secas, que é um número considerável. Dessas, 40 são anuais e pelo menos 32 são
plurianuais, ou seja, aquelas que acontecem para além de um ano. Essa que nós
estamos vivendo é plurianual. E eu acho que essa seca começou de forma mais
forte no Ceará no ano de 2010, e ela se expande agora pra muitos mais estados,
mas é uma seca que tende ir até o final do próximo ano. Então, essa é uma das
maiores secas dos 30, dos 40, dos 50 anos, ou em alguns casos dos últimos 60
anos. Seca igual a essa a gente teve em 1932, mais tarde em 1982, mas também
uma outra grande seca em 1915, que possivelmente é a seca que retrata a
história do Nordeste, ou seja, o Nordeste é novo. E o Nordeste é novo em duas
situações. O Imaginário de Nordeste, enquanto lugar seco, de pessoas frágeis,
de pé rachado, de criança doente, essa imagem é midiática, imagem construída
pela própria mídia. E nessa seca, inclusive, nós éramos Norte, não existia
Nordeste. Nordeste surgiu para identificar uma região que é seca. Então a
região Nordeste surgiu a partir da seca, ele surgiu inclusive para determinar a
área de atuação do instituto que hoje é o DNOCS [Departamento Nacional de Obras
Conta as Secas]. Anterior a essa seca, em 1845, nós tivemos uma outra seca já
no início do Império. Há quem acredite que a Indústria da Seca surge daí. Onde
Dom Pedro I cria a ideia de uma ajuda e o governo de Dom Pedro II executa essa
lógica de ajuda, de dinheiro para os fazendeiros, a ideia da açudagem, de
construir açudes. E a primeira seca que se tem registro ela é de 1559, então 59
anos depois dos portugueses chegarem ao Brasil. Essa é uma questão que se
repete. Essa fala longa é pra dizer isso que você dizia na sua pergunta. A seca
se repete, ela tem prazos, do ano de 1559 para cá são 72 secas. Nós temos uma
média de seis anos de duração de cada seca e o Brasil se preveniu pouco. E se
preveniu pouco porque tinha uma opção clara de beneficiar os fazendeiros, os
políticos locais, os coronéis, beneficiar a lógica da Indústria da Seca. Dizer
que essa seca [que estamos passando agora] é igual as secas passadas é verdade.
Dizer que o Estado brasileiro está nas mesmas condições do passado não é
verdade, porque o próprio Estado foi pressionado pela sociedade. Então a seca
de 1982 foi um marco no sentido da participação da sociedade civil nessa
caminhada e o início do diálogo da Convivência com o Semiárido. A seca ela está
associada a lógica da Indústria da Seca, de grandes dinheiros, que significa
dizer grandes obras, caras e distantes. E a Convivência com o Semiárido está
associada a pequenas obras, baratas e perto das pessoas. Porque as saídas elas
são perto, elas são locais. A sociedade civil ajudou o próprio Estado brasileiro
a refletir sobre isso. E hoje você tem um conjunto de outras ações que são
importantes. Está longe de resolver a situação, mas as organizações da ASA
[Articulação no Semi-Árido Brasileiro] tem uma caminhada significativa sobre
isso e pressionaram o Estado brasileiro a fazer algo diferente. Mas em momentos
como esse [de grandes secas] um discurso errado volta. A Convivência ela é uma
ideia, ela é um paradigma, mas não é hegemônico. A ideia do combate à seca ainda
é hegemônica, mas eu acho que a gente já caminhou consideravelmente e o Estado
brasileiro tem dado passos importantes, inclusive com algumas ações, como o
Bolsa Família. Pode parecer estranho, mas ajuda as pessoas nesse período a se
alimentarem, e um conjunto de outras iniciativas paliativas. Elas poderiam ser
melhoradas. Ou seja, o governo foi pego de surpresa, quando na verdade ele já
sabia que essa seca também existiria.
Centro
Sabiá – Que relações políticas são construídas na lógica do combate à seca?
Barbosa
– Primeiro
dizer que é um retrocesso você ouvir de um ministro, ouvir da presidente, de um
parlamentar, de um governador, de qualquer autoridade a ideia de se falar de combate
à seca. É uma incoerência, porque seca não se combate. Mas essa fala não é uma
desprovida de sentido não. Quem está falando isso sabe do que fala. Pois fala em
carro pipa, em grandes açudes, em transferir recursos para um conjunto de
políticos que eternamente se beneficiaram, que antigamente eram os coronéis,
hoje é o agronegócio, o hidronegócio e que se beneficiam disso. Fala em perdoar
créditos em relação a banco para grandes e médios produtores, inclusive para a
área de irrigação. Fala em criar o que os municípios fazem que são os estados
de emergência, ou seja, com o decreto do estado de emergência eu não preciso
mais fazer licitação, eu não preciso pedir nenhuma permissão ao legislativo, ou
seja, eu entro numa situação que vale tudo e em um ano eleitoral. Os
agricultores também já estão cansados, porque sabem que seca não se combate,
então tem alguma coisa errada aí, a gente precisa avançar num conjunto de
outras ações que não são combate à seca. Nós precisamos cobrar do Estado brasileiro.
Se o governo não se preveniu ele tem que ter políticas emergenciais, então se
você não teve políticas estruturantes, políticas emergenciais são necessárias.
Quem tem sede tem pressa, quem tem fome tem pressa, você precisa garantir uma
quantidade de carros pipas abastecendo as cisternas, abastecendo as famílias,
você precisa garantir, inclusive, distribuição de sementes, paras pessoas guardarem
as suas e poderem usar outras para se alimentar, você precisa construir
estratégias de manutenção dos animais ou pelo menos de garantir o reprodutor,
de garantir suas matrizes, que as famílias não se desfaçam dos seus rebanhos.
Para isso eles vão precisar de alimentos para os seus animais, precisa ter uma
lógica de controle da qualidade da água que vai ser distribuída. Então, tem um
conjunto de ações emergenciais que elas são importantes, que a gente precisa
cobrar e o governo precisa colocar e tem colocado de uma determinada forma, e
tem muito dinheiro para isso. Mas e como fazer para que esse dinheiro chegue as
pessoas? Que vai sair do governo federal vai. Se vai chegar as pessoas, vai
depender muito da nossa cobrança de denunciar. A ASA inclusive vai apresentar
uma proposta ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e aos Tribunais Regionais
Eleitorais (TRE) no sentido de tentar construir uma campanha nesse período
eleitoral, para dizer que a água é direito. Se alguém está lhe cobrando voto
porque está lhe dando água, denuncie! Água é direito de todo mundo, garanta seu
direito, garanta a convivência. Vender o voto está associado a Indústria da
Seca e a cidadania está associada a Convivência com o Semiárido. Acho que esse
é um caminho que a gente precisa construir. E precisamos cobrar para que nas
próximas secas a gente não sofra como está sofrendo agora.
Centro
Sabiá – Que ações a sociedade civil tem construído no Semiárido junto com as
famílias e por que elas são de fato estruturantes ao contrário das ações
emergenciais que estão sendo colocadas pelo governo nesse momento?
Barbosa
– A
saída para as famílias é uma saída individual. Para cada família, para cada
pessoa a gente tem que garantir água, tem que garantir alimento. E muitas vezes
o que o governo brasileiro faz é trabalhar com estatística ou trabalhar com
média. Eu tenho três crianças e três pães. A criança que tem mais dinheiro come
dois pães, a que tem mais ou menos come um pão e a que não tem não come nenhum.
E no final as estatísticas dizem que tenho três crianças, três pães e cada uma
comeu um pão e isso não é uma verdade. Então a saída ela tem que ser uma saída
por família. Eu estou falando isso porque essa é uma das questões que a Articulação
no Semi-Árido Brasileiro (ASA) tem levantado. Ou seja, para cada família no
Semiárido que não tem água para beber, que não tem água pra produzir, que não
tem sementes, que não tem terra para produzir, que não tem os meios para fazer
isso, ela tem que ser atendida. A nossa ação é chegar às famílias. A ideia do
Programa Um Milhão de Cisternas [P1MC] é para que todas as famílias tenham
água. Você construir o P1+2 que é o Programa Uma Terra e Duas Águas é para que
todas as famílias possam ter água para produzir, para que todas as famílias
possam estocar suas sementes, que tenham sua autonomia e essa autonomia,
obviamente, ela gera um conjunto de outras coisas. Ela lhe permite ficar livre
do mercado, ela lhe permite plantar o que você quer, lhe permite construir o
seu patrimônio. A ideia da ASA é investir no sentido de você montar uma infra
estrutura no meio rural do Semiárido. Nós somos no Brasil a região mais povoada
no meio rural. Então, é preciso olhar para esse povo com ações que estão
associadas a um direito. O Brasil e o Semiárido serão felizes quando cada
família tiver sua água para beber, sua água para produzir, tiver sua semente para
guardar, tiver seus animais para criar, tiver uma educação voltada para essa região,
que leve em consideração as suas questões do dia a dia. São essas ações que a
gente acredita que são estruturantes, podem parecer pequenas, mas são as
pequenas coisas que juntas formam grandes coisas. Nós não somos contrários a
outras coisas, acho que é importante dizer isso. E a gente precisa cobrar do
governo brasileiro nesse momento, sobretudo que suspenda a lógica das cisternas
de plástico, que construa cisternas de placas, porque elas empregam as pessoas.
Elas fazem com que o dinheiro circule e dinheiro circulando significa dizer
água, significa dizer alimento, significa dizer educação, significa dizer
cidadania, significa dizer vida diferente e significa dizer, sobretudo, Convivência
com o Semiárido. Então, acho que são essas ações que a gente precisa caminhar,
pra construir um Brasil e um Semiárido melhor e feliz.
*Entrevista
realizada e publicada no mês de maio/2012. Fonte: Centro Sabiá.
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