quinta-feira, 1 de março de 2012

Um ano de conquistas e desafios da Secretaria Executiva de Agricultura Familiar de Pernambuco

Fortalecimento da agricultura familiar no estado é um dos principais avanços após a criação da secretaria

No mês de janeiro fez um ano que a Secretaria Executiva de Agricultura Familiar (SEAF) foi criada. A comunicadora da Articulação no Semi-Árido Pernambucano (ASA-PE), Mariana Landim, conversou com o secretário Aldo Santos, sobre as conquistas obtidas durante um ano de gestão, assim como os desafios que estão colocados no âmbito da agricultura familiar em Pernambuco. Confira a entrevista abaixo.

ASA Pernambuco – A Secretaria Executiva de Agricultura Familiar completou um ano, portanto uma nova estrutura inserida no quadro governamental. Como você avalia os primeiros 12 meses, e quais os avanços da SEAF que já podem ser apontados durante esse período?

Aldo Santos – Primeiro é importante dizer que a SEAF [Secretaria Executiva de Agricultura Familiar] foi uma conquista dos movimentos sociais, de vários movimentos do campo da agricultura familiar, da ASA [Articulação no Semi-Árido Brasileiro], das ONGs [Organizações Não-Governamentais], da igreja, e também foi fundamental a sensibilidade do governador Eduardo Campos de perceber a importância que tem a agricultura familiar no estado. Nos primeiros 12 meses, como qualquer estrutura nova, a secretaria precisou ser organizada e instrumentalizada, na perspectiva de identificar dentro do próprio governo as políticas de agricultura familiar. Então fizemos um mapeamento dentro da ação da educação, da saúde, ciência e tecnologia, etc.

Dessa forma hoje posso dizer que temos a condição efetiva de perceber que a agricultura familiar está segmentada dentro da ação do governo pela importância que ela tem, pela sua multifuncionalidade. A mesma necessidade que a secretaria tem de pensar a questão do crédito, da água, e da segurança alimentar, ela se dá na mesma proporção quando se pensa na mobilidade, ou seja, a questão das estradas, na eletrificação rural, na saúde, na educação, sempre pensando que a gente constrói um processo no campo, a partir da melhoria da qualidade de vida das pessoas. No ano que se passou, a gente fez esse debate com o governo federal e também nos articulamos com os quilombolas, com os indígenas, com os camponeses, com os agricultores familiares, com os assentados, enfim, com o conjunto dos movimentos sociais que tratam da agricultura familiar, na tentativa de construir isso junto, digo isso porque uma coisa é criar a secretaria, outra coisa é dá sentido a ela.

A conjunção desses diversos atores sociais, o que possibilitou essa mão dupla entre o estado e a sociedade civil, foi algo que contribuiu com a estruturação de todo o processo, na perspectiva de construir um instrumento de política pública para o segmento da agricultura familiar no estado de Pernambuco.

ASA Pernambuco – A Secretaria Executiva de Agricultura Familiar foi criada na perspectiva de fortalecer a agricultura familiar do estado, então quais as dificuldades e os desafios encontrados nesse processo?
Aldo Santos – A ação do governo ainda padece de um processo de fragmentação da ação das políticas, pois elas ainda são pulverizadas e muitas vezes, descontextualizadas. Nesse sentido, o nosso grande desafio foi está dentro do governo mostrando a importância de um segmento de atores sociais do campo, do mundo rural, que é a agricultura familiar. Acreditamos que ela tem que ser vista não só como um segmento de benefício social ou de políticas sociais, mas também de um segmento que tem um papel na questão ambiental, na cultura e especialmente no debate da economia, da geração de renda, da sustentabilidade do meio rural. Então fazer essa discussão internamente em relação às políticas de governo foi um desafio, mas que ainda não acabou, embora a gente perceba que no governo não existia um referencial pra esse debate, e hoje, o referencial é a Secretaria Executiva de Agricultura Familiar.

Quando se fala de agricultura familiar dentro do governo, sabe-se qual a dimensão da agricultura familiar do estado, o que ela representa, o que ela produz, como ela está articulada, enfim, esse referencial já foi criado. Antes da criação da SEAF, vários segmentos da agricultura familiar não tinham encontrado um espaço no governo para dialogar sobre as políticas, ou seja, isso já foi superado. O papel que o ProRural teve e tem no desenvolvimento do meio rural, especialmente na estruturação dos conselhos municipais, contribuiu com a formação de um processo interessante no estado, mas não existia referencial para pensar a política, então a secretaria deu esse norte. O governador Eduardo Campos tem colocado que o nosso papel de governo é construir as políticas da agricultura familiar, uma política não de governo, mas de estado.

ASA Pernambuco - O PAA e o PNAE têm enfrentado problemas na sua execução. Muitos agricultores têm perdido boas chances e algumas prefeituras têm sido resistentes a implantação do programa. A SEAF tem proposto um diálogo na tentativa de solucionar esse impasse? Qual o movimento que a secretaria vem fazendo no sentido de ampliar e fortalecer a dinâmica de comercialização dos produtos da agricultura familiar no estado?

Aldo Santos – O PAA [Programa de Aquisição de Alimentos] teve um papel fundamental na questão da compra direta, isso potencializou a dinâmica de comercialização no local, então o Programa fez esse processo. A mobilização nacional gerou um debate sobre a melhoria da qualidade da alimentação escolar, do que era necessário para viabilizar isso. Quatro anos depois é criado o PNAE [Programa Nacional de Alimentação Escolar]. Em Pernambuco, a partir de 2010, as escolas, os municípios deveriam garantir no processo da merenda escolar, o percentual mínimo de 30% de produtos da agricultura familiar. Mesmo assim a gente sabe que existem muitas dificuldades, pois temos vários casos que ilustram que as prefeituras não sabem comprar e os agricultores não sabem vender. Partindo disso, acreditamos que o desafio consiste em estruturar bem a logística, o processo de beneficiamento, de modo que os produtos da agricultura familiar cheguem com qualidade, de maneira regular e sistemática.

Diante disso, foi visto que a agricultura familiar não estava organizada, embora não foram dadas as condições efetivas para que ela se estruturasse e estivesse preparada para um processo de gestão, então falar disso é falar de um processo muito recente. Aqui no estado nós percebemos que não era viável a ideia de fazer grandes chamadas, já que as organizações não tinham capacidade de participar do processo pelo volume a ser entregue. Nesse sentido, uma das primeiras discussões que a SEAF propôs, foi com a Secretaria de Educação, na perspectiva de pensar a regionalização da merenda escolar no estado. No ano passado nós lançamos o primeiro lote em quatro regionais, onde participaram as cooperativas de agricultura familiar, as associações, etc. Mas, para que isso acontecesse, nós animamos esse debate sobre o PNAE junto aos movimentos sociais, no CDS [Conselho de Desenvolvimento Sustentável], no CONSEA [Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional], enfim. Fruto desse processo, nós realizamos um seminário em Serra Talhada, que reuniu cerca de 60 representantes dessas entidades. Uma iniciativa que garantiu essa participação nas regionais.

Em relação ao PAA, atualmente nós estamos discutindo como fracionar ainda mais os lotes para favorecer uma associação ou cooperativa. A ideia é que elas possam entregar seus produtos no próprio município ou no entorno dele. A outra questão levantada é a criação de chamadas específicas para comunidades prioritárias como é o caso dos povos indígenas e quilombolas, por exemplo. Mesmo com as dificuldades encontradas, nós já temos algumas referências no estado, como o município de Brejo da Madre de Deus, por exemplo, que consegue comprar quase 80% dos produtos da agricultura familiar, uma prova de que esse processo é possível, desde que se construa um cardápio viável. Ainda em relação ao PAA, já existe uma determinação do governador Eduardo Campos para avançarmos no Programa gerenciado pelo estado, e chegarmos ao quantitativo de 10 mil agricultores/as participando do processo até 2014. Para isso, nós já estamos negociando com o MDS [Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome] uma proposta nova para Pernambuco. E no caso do PNAE, a ideia é continuar esse processo de articulação e mobilização junto às prefeituras e secretarias de educação.

ASA Pernambuco - Quais as projeções da Secretaria Executiva de Agricultura Familiar para o ano de 2012 e em médio prazo?

Aldo Santos – Esse primeiro ano foi voltado também para estruturação e elaboração de projetos, além de novas captações de recursos. Nesse sentido, nós conseguimos discutir a projeção de alguns convênios e de algumas dinâmicas articuladas dentro de um programa que estamos chamando de Pernambuco mais Produtivo. Um programa que dá a dimensão da segurança alimentar, e da estocagem de água e alimentos para as famílias agricultoras e os animais. Trata-se de um projeto que pretende ampliar às atividades da caprinovinocultura e apicultura no campo da agricultura familiar. Já está sendo discutida com os parceiros, a questão da água para a produção, para os quintais produtivos, a partir da cisterna calçadão e outras tecnologias de captação e armazenamento de água. Estaremos executando esse programa em parceria com a ASA-PE, através das suas organizações, envolvendo também os conselhos municipais nesse processo.

Para ilustrar essa questão de números, logo esse ano nós vamos iniciar o processo de implementação de 15.500 cisternas calçadão, que beneficiará mais de 50 mil pessoas no Semiárido pernambucano, atendendo cerca de 90 municípios no estado. Nesse sentido, o projeto deve garantir a segurança alimentar das famílias, assim como fortalecer a dinâmica da autonomia, da cidadania das mulheres que estão no Semiárido, na medida em que elas saem daquele processo de carregar água na cabeça e produzem alimentos na perspectiva da geração de renda. Ainda na linha da projeção, outro debate que a gente está fazendo, é sobre a constituição de uma política estadual de desenvolvimento rural sustentável. No ano passado, nós já começamos a discutir isso na assembléia legislativa e com os movimentos sociais. Ao longo de 2012, a gente deve apresentar uma política estruturadora de desenvolvimento rural sustentável de Pernambuco. A idéia é ter capítulos do debate da assistência técnica, da agricultura familiar, da convivência com o Semiárido, da agroecologia, integrando as políticas, e garantindo uma lei que dê um arcabouço jurídico.

ASA Pernambuco - Recentemente você esteve na região do Araripe, numa comunidade rural, para a festa de inauguração de tecnologias de captação e armazenamento de água de chuva, fruto de uma parceria firmada entre a ASA, o governo federal e o ProRural. Dessa forma, o que representa a conquista de tecnologias que potencializam a agricultura familiar pelas famílias agricultoras?              

Aldo Santos – Sabemos que o Semiárido brasileiro é o mais populoso do mundo. Partindo disso, existe uma estratégia importante de convivência com essa região, que nos mostra que o Semiárido é viável. E o Semiárido pernambucano tem uma necessidade hídrica muito grande, pois nós temos muitas famílias difusas, dispersas em comunidades rurais, povoados e vilarejos, aonde a água não chega. Nesse sentido, a cisterna que garante a primeira água, a água de beber, representa a condição básica para as pessoas conquistarem a autonomia e a cidadania. Isso significa diminuir a dependência política eleitoreira, já que ainda existem políticos que usam a água como moeda de troca, ou seja, como favor e não como direito.

A cisterna de 16 mil litros começa a mudar essa realidade. Ainda existe outro elemento fundamental que vai dando a condição para a família beneficiada começar a pensar no processo produtivo, e despertar para conquistas de outras tecnologias que potencializem a produção de alimentos. Isso gera um ciclo que garante a segurança hídrica na propriedade da família que está inserida nesse processo. Esse movimento tem feito a gente pensar o desenvolvimento rural sustentável, na perspectiva de que todos devem ter seus direitos fundamentais garantidos, sobretudo o acesso à água de qualidade. Nesse sentido, o povo do Araripe tem colocado um papel fundamental no processo de mobilização, e a gente acredita que essa inauguração das 80 cisternas, trouxe o papel do conselho municipal, que é uma estratégia de desenvolvimento que o ProRural construiu ao longo desses anos.

Podemos falar também do papel que tem tido o governador Eduardo Campos de acreditar que a interiorização do desenvolvimento só é possível com uma agricultura familiar forte e dinâmica. Isso garante que os/as agricultores/as familiares tenham autoestima suficiente para gerar melhores condições de vida para as futuras gerações, já que a região semiárida é um lugar para viver com dignidade.

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